A Saneago é a sétima empresa pública de saneamento do Brasil. Em 2013, sua receita bruta vai ultrapassar longe o R$ 1,2 bilhão de 2012, pois está consolidando mais de R$ 3 bilhões em investimentos vindos do Governo Federal. Em nome de uma política de entrega do patrimônio público, sem compromissos futuros e com respaldo técnico duvidoso, a Segplan está empurrando a privatização do serviço de esgoto de Aparecida de Goiânia, Trindade, Rio Verde e Jataí, goela abaixo da Saneago e dos consumidores do sistema de saneamento do Estado de Goiás. Estão entregando o filé da empresa e largando o osso duro de roer para os demais 220 municípios do sistema Saneago.
Informações apontam que uma grande construtora de renome nacional é a favorita para ganhar a licitação, já que, além de idealizadora do nefasto modelo de subdelegação, participou ativamente da elaboração do edital e dos contratos de terceirização. O modelo proposto não é uma PPP, e já foi rejeitado em Minas Gerais e São Paulo.
O fundamento da terceirização é fictício e utópico: “90% de esgoto em seis anos”. Num Estado onde nem a Capital, Goiânia, tem 90% de esgoto, criou-se uma falsa necessidade para justificar um modelo de terceirização excelente para a empresa subdelegatária e altamente prejudicial para a Saneago e para os consumidores. A opção pela universalização em 90% de esgoto de somente quatro dos 224 municípios goianos do sistema Saneago não se justifica, fere a isonomia e a realidade do restante do Estado de Goiás.
O valor do contrato (R$ 1,066 bilhão) é inflado e superfaturado para justificar a necessidade da privatização e um faturamento bruto astronômico: mais de R$ 5 bilhões em 30 anos. Um relatório feito pelo Grupo Técnico de Engenheiros da Saneago contradiz totalmente os custos do Edital. Concluiu que menos de R$ 360 milhões são suficientes para elevar o esgoto das quatro cidades a 85% de atendimento em menos de seis anos. O Edital escora-se em defasados dados técnicos de 2009, e lá estão inúmeras obras já concluídas e outras já iniciadas com recursos públicos do Governo Federal.
O Ministério das Cidades já avisou à Saneago que o artigo 50, parágrafo 1º, da Lei 11.445/2007 veda a aplicação de recursos não onerosos da União a sistemas privados de saneamento. Com isso, Aparecida de Goiânia corre o risco de perder cerca de R$ 500 milhões de investimentos alocados nos PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) 1 e 2. Sem recursos públicos, todo investimento privado feito no sistema de esgoto será repassado para a tarifa e pago diretamente pelos consumidores das quatro cidades envolvidas.
O Edital também não ampara o sistema de subsídio cruzado que garante a igualdade de tarifas módicas para as quatro cidades. O contrato proposto resguarda um sistema tarifário que pode se diferenciar para garantir os lucros e a recomposição dos investimentos feitos pela empresa subdelegatária. No sistema Saneago, grande parte dos investimentos são públicos e os recursos onerosos são igualmente diluídos entre as 224 cidades, quase sem impacto na tarifa.
Não existe Papai Noel no sistema privado de saneamento. Se Aparecida e Trindade tem alto índice de inadimplência, a conta vai sobrar para Rio Verde e Jataí, que são cidades já estruturadas e com melhor capacidade de pagamento da tarifa. Anápolis estava no pacote, mas, percebeu o imbróglio e saiu da negociação. Percebeu que é mais vantagem pertencer ao sistema estadual da Saneago, onde o subsídio cruzado garante igualdade de tarifa e os custos diluídos entre as demais 220 cidades do sistema, incluindo Goiânia.
A cidade de Jataí é uma das mais prejudicadas pela adesão ao novo sistema. Em novembro de 2011 precipitou um novo contrato programa de concessão com a Saneago e rompeu o anterior que iria até 2016. Com isso, a população perdeu mais cinco anos de tarifa de esgoto subsidiada em 60% do consumo de água. A Prefeitura perdeu o repasse de 5% do faturamento local da Saneago (cerca de R$ 60 mil mensais) e mais 4,5 mil metros cúbicos de água por mês para os prédios públicos. Itumbiara, ao contrário, paga apenas 20% de tarifa de esgoto e nunca sequer aceitou discutir sua inserção no pacote da terceirização para não perder o privilégio.
Assim como acabaram com Celg, Beg, Caixego, Iquego e venderam a valiosa usina de Cachoeira Dourada, parece que a Saneago agora é a bola da vez. Não temos dúvidas sobre quem vai pagar esta conta. E, mais uma vez, não serão os políticos diretores desta aventura irresponsável. Disso temos absoluta certeza.
Érico de Pina Cabral, promotor de Justiça no Ministério Público de Goiás e coordenador do CAO de Defesa do Consumidor, é mestre em Direito pela PUC-SP e professor